quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Do estranho não se sabe

Ainda que a minha gula não seja do tamanho da minha ira, muitas vezes na semana eu dizia para algum transeunte que se juntasse - Estou com fome. - acrescentava sempre, porém - vamos comer! - neste tom imperativo eu reiterava e aquele ou outro transeunte reiterava igualmente. Verdade é que só agora começo a perceber o verdadeiro significado destas palavras. Não o poderei explicar sucintamente porque para o fazer tenho de definir a forma como o percebi.
Assim sendo, vou começar pelo inicio que é tão simples quanto parvo. Saí de casa para fazer algo que nem eu ao certo saberia. Talvez estivesse para ir dar uma volta e afogar os olhos nessas estantes com preços marcados a quem eu desdenhava e queria comprar. Como sempre desta rotina a que eu chamava de tempo morto que dá sede, parti em direcção a um qualquer café solicitado para comprar água engarrafada. Assim o fiz e assim aproveitei a sua casa-de-banho, uns degraus mais abaixo, para mais uma vez lavar as mãos. De mãos lavadas subi para o café onde chegavam alguns daqueles quadrados de estranheza refinada e que o nariz se lhes torcia em palavras humoristicamente classificadas. Sem perceber o que motivava o meu sorriso de apresso por os ver, assassinei o tempo morto que dá sede e após uns finos fomos até às escarpas profundas que eram sensivelmente a 500 km.
Com o tapete mágico do individuo mais endinheirado, não passaram mais de vinte minutos para lá chegar. De cabelos no ar, todos nos fomos sentar na escarpa mais alta e que também tinha o melhor tempero de charros de sempre. Aí ficamos a trocar galhardetes aparentemente amigáveis. Sem martelos muito se martelou. 
Acabaria aquele fim de tarde por cair ao som dos nossos delírios. 
Cai também eu. 
Foi numa daquelas escarpas que encurvava para um ramal sem acesso que deslizei sem me magoar e no espaço de um caixão fiquei preso. Pouca luz era a que conseguia ver e a música estridente dos canais de vento apagaram-me qualquer percepção do que se passava.
Tornaram-se intemporais e imprecisas aquelas horas que ali estive sem ouvir. Por um lado, foi um alivio não ouvir mais aquele mundo que me martelava.
Passadas as primeiras horas de sonhos mal dormidos e pânico insuflado, aparentemente 15 horas, apenas uma frase me ocupava a caixa de texto. Dizia-me ela - Tenho fome. Podemos comer? - Não lhe dizia que não nem que sim. Não lhe respondia. Apenas consegui questionar aquela frase que a minha inócua gula me fazia imperar algumas vezes por semana. Não se passou muito mais tempo mas esta frase comeu a minha sanidade durante o tempo que se sucedeu. Não me lembro de lágrimas me terem escorrido até voltar ao sítio onde cai. 
Lembro-me de lá chegar novamente acima, àquele sítio tão alto, salvo por algum Aladino vestido de bombeiro. Apenas pedi para lavar novamente as mãos. Obviamente, todos me ajudaram a lavar as mãos. 
De mãos lavadas não estava aparentemente magoado. Revi-me por dentro e pude dizer, como nunca tinha dito antes, - Tenho fome!
O silêncio instalou-se e um dos quadrados que por lá se mantiveram deu-me uma bifana.
Posto isto, voltei a cair na escarpa. 
O ciclo está a repetir-se até agora, entre cair e voltar a comer a bifana só consegui parar neste ponto final.

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